sexta-feira, 5 de abril de 2024

Conversa com Ernesto Rodrigues no Açoriano Oriental

 

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Conversa com Ernesto Rodrigues

 


Em última instância, e numa primeira leitura desavisada, todos os clássicos são aborrecidos: por isso, à medida que nós melhoramos, melhora a compreensão das técnicas, do dito e talvez do interdito.

Por certo que é o profundo conhecedor da literatura que nos fala aqui. A própria obra do Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e Diretor do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, entre outros cargos de cariz intelectual que exerce noutras instituições, é de todo abrangente quanto a temática e formas, e que vai desde o jornalismo e crítica literária, história da nossa imprensa em determinados períodos, à poesia e ficção. A sua bio-bibliografia é longa demais para que eu a sintetize nestas páginas. Tenho-me focado nos últimos anos na sua também extensa ficção, que inclui alguns dos títulos por ele aqui mencionados. Ler ou falar em direto com Ernesto Rodrigues é fazer um seminário sobre todas estas questões da arte literária e trabalho académico. A sua experiência de Leitor na Universidade de Budapeste torná-lo-ia ainda o grande tradutor da literatura desse país entre nós. É sobre tudo isto e algo mais que falamos nas palavras seguintes.

*

Já escrevi sobre alguns dos seus livros. Só que as notas biográficas sobre uma obra tão grandiosa “intimidam-me”. Ensaio literário, história da imprensa portuguesa, ficção e outros géneros. A escrita de um Professor da Universidade de Lisboa. Tudo isto me inquieta de modo desafiante. Pode comentar essa minha admiração e medo?

Sonhei-me escritor desde os oito anos e, ligado a jornais desde os 14, quis viver do jornalismo profissional, razão pela qual escolhi Lisboa. No quinto ano de Filologia Românica, na Faculdade de Letras, dificuldades financeiras obrigaram-me a trocar o jornalismo pelo ensino, primeiro no Liceu de Passos Manuel e logo no leitorado de Português na Universidade de Budapeste (1981-1986). Continuei ligado à imprensa escrita, donde saiu o essencial de Verso e Prosa de Novecentos (2000) e Literatura Europeia e das Américas (2019).

    No regresso da Hungria, a carreira naquela faculdade exigia provas, e, além do mestrado – sobre Fastigínia (1605), de Tomé Pinheiro da Veiga, de que daria edição crítica na agregação (2011) –, pude, já no doutoramento, conciliar aquelas paixões em Mágico Folhetim. Literatura e Jornalismo em Portugal (1998; em 2022, acrescido de Crónica Jornalística. Século XIX, de 2004). Coordenar os verbetes de literatura portuguesa e teoria literária nos volumes de Actualização do Dicionário de Literatura (2002-2003) de Jacinto do Prado Coelho mostrou outra faceta, pois eu ensinei sempre na área da cultura portuguesa, da história e linguagem dos media, de que resultaram Cultura Literária Oitocentista (1999, 2022), 28 Ensaios de Cultura (2023) e quatro títulos de 2008-2012, a reunir em Da Corte Luso-Brasileira à República. Dei edições críticas ou rigorosas de Gil Vicente, João de Barros, padre António Vieira, Alexandre Herculano, Júlio Dinis, Guilherme de Azevedo, As Farpas Completas de Ramalho Ortigão, além de novecentistas, com maior atenção a José Marmelo e Silva e António José Saraiva. Os 40 anos de Camilo estão em A Queda Dum Anjo e Novas Páginas Camilianas (2023).

Recolhido o ensaísmo universitário, desde 1976, em dez densos volumes (os séculos XVI a XVIII virão em Estudos de Literatura Portuguesa), o primeiro sonho é que importa, com a estreia em 1973 e novas colectâneas de poemas até 2020. O dramaturgo deu Teatro (2021). Fundamental é o novelista e contista (1980, 1983, 1996, 2024), embora sejam mais significativos os nove romances editados (1989-2023). Lá virão o cronista e memorialista, cumprindo enfim o sonho de criança.

Assim, a crítica, o ensaio, a edição e a tradução sei-os úteis a alguém: vivi-os como um serviço, enquanto me alimentavam. Podem causar admiração, mas nenhum receio. A criação literária é outro tipo de diálogo, uma espécie de culto a que não acede qualquer profano. Não é grave; como não é grave, aproximando-se, ficar à porta de muitos segredos. Faça seu templo-leitura com os elementos que recolher.

    Foi professor numa faculdade da Hungria em Budapeste durante alguns anos, e tornou-se entre nós um dos grandes tradutores da literatura desse país, ainda para nós misterioso. Pode falar-me dessa experiência e dessa, digamos, devoção?

Cheguei a Budapeste sem conhecer uma palavra de húngaro. Tornei-me o principal tradutor no universo da língua portuguesa. Após artigos de jornal, dossiê na revista da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, edição bilingue do poeta nacional Petőfi Sándor (1999, 2023), Antologia da Poesia Húngara desde o século XV (2002) e, em particular, grandes ficionistas do século XX (o Prémio Nobel Kertéz Imre, Márai Sándor, Szabó Magda, Kosztolanyi Dezső, Füst Milan, Őrkény István, Krasznahorkai László, Pál Dániel Levente), fiz um balanço de 40 anos em Hungarica (2022).

A devoção foi premiada com os mais altos galardões; a relação entre os dois países, que historiei desde a Idade Média, deu azo a trabalhos de investigadores, alunos meus que viraram docentes e mantêm viva essa interlocução. Língua fino-úgrica longe da comunidade indo-europeia, o húngaro é falado por 15 milhões e, pela sua dificuldade, sofre de uma certa guetização, que a política de hoje não ajuda a vencer.

    A minha experiência, todavia, antes da queda do Muro, foi exaltante, e perpassa em contos e romances como A Serpente de Bronze (1989), Um Passado Imprevisível (2018), A Terceira Margem (2022), Liliputine (2023). A Europa Central e a memória austro-húngara mostram-se, ainda, enigmáticas, além de – após a I Guerra Mundial e má definição de fronteiras – perigosas, na emergência dos nacionalismos.

A sua ficção é para mim um misto de dificuldade e prazer. Como diria um grande mestre meu anglo-americano na Califórnia: vai a todas as tuas referências com sofrimento, mas na última página sentirás o prazer da grande arte…

Cito Sperone Sporoni no conto “Série B” (em Cruzeiro Literário, Letras Lavadas, 2024), segundo o qual um autor vê claro, «quando, por vezes, o leitor nada vê ou tudo lhe parece obscuro». Explico com Chamfort: «C’est, dit-il, que l’auteur va de la pensée à l’expression et que le lecteur va de l’expression à la pensée.» No como dizer distinguimos literatura, jornalismo, etc. É um primeiro passo, em que se admira o luxo da escrita ou a arte da ironia.

Mais: é já a nossa vida, como quando, ao olhar o céu, vejo ou imagino uma nuvem ociosa – «nuage oisif», diz Proust – que flana no céu, homologando os meus passos. Vejo expressão e pensamento; reconheço lanços desta existência. Mas quero ir além, à arte de uma composição mais intensa e designá-la romance, entre digressão e incidentes, talvez um nó, um desenlace. Pode a dificuldade de certas arquitecturas conduzir à experiência estética? Sim. Convém uma leitura seguida, demorada, atenta a índices, a comportamentos e relações intra, inter e extratextuais. Cada novo exercício problematiza a tradição conhecida do autor. E só há possíveis a atingir.

Aquando da revolução húngara de 1956, as personagens de A Serpente de Bronze dialogam, frente ao parlamento, com circunstantes: estes respondem com falas de um contista húngaro, também nessa ocasião junto ao Danúbio, e que eu traduzo. Segundo exemplo: em noite de Consoada, seis personagens de Torre de Dona Chama (1994) falam em lugares diferentes. Como ordenar estes discursos? Elas entram em cena segundo a lógica das rimas de uma sextina. Vou aqui dizer o que aprendi com uns tantos autores, alguns ignorados entre nós?

O leitor penetra numa floresta coerente, e nunca se perde: está sempre a tempo de recuar, buscar outra prosa-clareira. Feliz será, se subir um cheiro a renovo (na terra ou no seu horizonte de leitura), se haurir algum perfume, ganhar um canto de aves. Sou um crítico com escritor dentro, mas também um escritor conhecedor de várias literaturas seculares.

Entre a expressão e a composição, há processos a estudar. Recobrindo estas entidades, um céu histórico-cultural, dentro do qual funcionam as galáxias de sentido. Não atingimos todos os seus elementos astrais, ou significados; se só conquistamos alguns, não raro a bom sofrer, acredite-se, ao menos, que o romancista nos propõe um trabalho honesto. Em última instância, e numa primeira leitura desavisada, todos os clássicos são aborrecidos: por isso, à medida que nós melhoramos, melhora a compreensão das técnicas, do dito e talvez do interdito.

A vida é um denso labirinto: especialista do folhetim, sei isso, e como este a simplifica, a lineariza, sem escapar aos impossíveis e anacronismos, até (na maior parte dos casos) cair no esquecimento; qual Teseu animado por Ariadne e seu novelo, o leitor deve armar-se para combater o texto-minotauro. Ninguém tem o exclusivo da vitória, vitória que é à medida de cada um.

No BorderCrossings do Açoriano Oriental de 5 de abril de 2024

quinta-feira, 4 de abril de 2024

CRUZEIRO LITERÁRIO


 


Um grupo editorial convida 13 jornalistas e cinco professores universitários para o lançamento das obras de 12 autores durante um cruzeiro. Há apontamentos cruéis, sem perda de um gozo visceral, na novela que dá título ao volume, construída em clave detectivesca, e denunciando vaidades, jogo baixo e despeitos no envenenado meio das letras, da Comunicação Social e da Universidade.

A novela de abertura, “A morte do autor”, concentra ironia e pequenez, um ‘bonitinho’ inútil de certo ensino, até ao rocambolesco mediático. O tricô ensaístico vale bem o frenesi noticioso: ninguém se salva.

Entre as duas novelas, vêm quatro contos de assunto literário e cinéfilo, dois dos quais homenageiam Junqueiro-Ramalho-Eça e Luís de Camões.

É uma edição Letras Lavadas (Ponta Delgada, 169 páginas, 14 euros), em colecção sob a responsabilidade de Vamberto Freitas.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

sábado, 21 de outubro de 2023

40 Anos de Camilo Castelo Branco

 


Índice

 

A Queda Dum Anjo

         Edição crítica

p. 13-218

 

A Queda Dum Anjo: citaxe

p. 220-285

 

Um Camilo global

p. 287-328

 

Anátema

p. 329-338

 

Eusébio Macário e A Corja

p. 339-362

 

Algumas personagens

Anátema (1851)

Mistérios de Lisboa (1854)

Livro Negro de Padre Dinis (1855)

Cenas Contemporâneas (1855)

Coração, Cabeça e Estômago (1862)

O Olho de Vidro (1866)

O Senhor Ministro (1882)

p. 363-472

 

Farpas inéditas contra Camilo

p. 473-485

 

Camilianos

p. 487-516

 

Albumista

p. 517-552

 

Camilo, poeta

         Antologia

p. 553-564; 565-737

        

Índices

p. 738-768

 

Fontes dos textos

p. 769-770

terça-feira, 3 de outubro de 2023

Ensaios de Cultura


 


Ensaios de Cultura, Lisboa, CLEPUL, 2023, 644 p.

Índice:
O Estado da Cultura
Personalidade Cultural Portuguesa
Mitologia Nacional
O Casamento de Pedro e Inês
Geografia Particular: Trás-os-Montes e Alto Douro
Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança
“A Estalajadeira”
Impressões de Eternidade
Branco
Dedicatória: Relação e Discurso
Louvor e Ilustração da Língua Portuguesa
O Descobrimento do Brasil Intelectual pelos Portugueses do Século XX […]
Polémica: Um ‘Prato’ Nacional
O Discurso Político em 1976
Sob o Olhar de Hermes: Da Viagem à Vertigem
Serra da Lua
Notas de Viagem a Itália
Dante na Imprensa Periódica Oitocentista
A Literatura como Matriz do Património Artístico da Europa
João Vieira: Arte de Traduzir
Convite ao Mistério
Visão dos Tempos. Os Óculos na Cultura Portuguesa
Almanaque: Composição de Um Rosto
Fonógrafos e Gramofones
Coração Quente, Generosas Mãos
Jogos de Letras. O Desporto na Cultura Portuguesa
A Virgem e o Menino
Lídia, Célia

sexta-feira, 21 de julho de 2023